Repetia, como se fosse mantra: "o gosto pelo conhecimento é a melhor herança que posso deixar."
O cearense
Expedito Resende, 66, conseguiu atrair a
atenção mundial ao inventar
um combustível para avião feito à
base de óleo de babaçu, atualmente
em testes avançados nos laboratórios da Boeing, acompanhados pela
Nasa, a agência espacial dos Estados
Unidos. Mudar o jeito como os
aviões voam, usando o chamado
"bioquerosene", não seria sua mais
importante descoberta.
Professor de engenharia química
da Universidade Federal do Ceará,
Expedito criou, nos anos 70, o biodiesel. Usando plantas comuns no
Nordeste, viu que o combustível servia, sem nenhum problema, nos motores como substituto do petróleo.
Mas, na época, não havia tanta
consciência ecológica, o preço do petróleo ainda não estava nas alturas e
não se sabia como dar escala comercial à sua invenção. Em 1991, alemães e austríacos resolveram usar a
descoberta para produzir
energia limpa.
Nos últimos tempos, Expedito
vem ganhando prêmios internacionais e ajudando a implantar centenas de
usinas de biodiesel. Isso significa a perspectiva de criação de
empregos, especialmente no Nordeste, e de um recurso contra o
aquecimento global.
Por trás dessa tecnologia há uma
história não menos interessante sobre quem ajudou a inventar esse inventor. Chama-se José Parente, pai
de Expedito -é uma criação muito
mais do que biológica.
José Parente tinha 12 anos quando deixou um povoado nas proximidades de Sobral (CE), onde vivia, e
mudou-se para Fortaleza. Era o caçula entre seus 28 irmãos, sustentados pelo pai agricultor. Fez o trajeto
a pé, sozinho, alimentando-se com o
que encontrava no caminho. Tinha
dois projetos: obter um emprego e
entrar numa escola.
Matriculou-se para o período noturno de uma escola, mas, com o excesso
de trabalho, acabou desistindo. Tentou por várias maneiras continuar
estudando. Pediu ajuda a seu
patrão e ouviu a seguinte frase: "Menino pobre não precisa de escola".
Praticando, José Parente aprendeu as artes do comércio. Adulto,
tornou-se empresário, casou, teve
nove filhos, todos entraram na faculdade. Repetia algumas frases como se fossem mantras: "o gosto pelo
conhecimento é a melhor herança
que posso deixar" ou "a maior riqueza está dentro da cabeça"
Nas conversas familiares, sempre
vinham as histórias do menino de 12
anos, caminhando sozinho pelas estradas de terra, a frustração pela
impossibilidade de estudar compensada pelas habilidades autodidatas. Já
empresário próspero (depois teve
um banco), José Parente tratou de
ajudar aquela escola em que tentou,
mas não conseguir estudar.
Expedito cresceu ouvindo esses
casos. "Ficou arraigada em todos
nós aquela reverência pelo saber",
conta Expedito. Essa reverência estava por trás de sua decisão de sair
de casa para estudar, como tinha feito seu pai. "Só que, desta vez, sem
desconforto", diz ele. Mudou-se para o Rio, onde se formou em engenharia
química e, depois, aprimorou-se nos Estados Unidos e na Europa. Voltou
para o Ceará, fascinado
pelo encanto dos experimentos químicos. Uma de suas criações foi a
"vaca mecânica" para a produção de
leite de soja, disseminada em centenas de cidades brasileiras.
Testou motores com álcool, mas
preferiu investigar melhor o poder
de plantas como o babaçu. Em 1984,
um Bandeirante, da Embraer, voou
de São José dos Campos até Brasília,
movido a bioquerosene, desenvolvido por Expedito -apesar do sucesso
do vôo, o projeto foi arquivado pelos
militares.
Foram necessários mais 20 anos
para que levassem a sério sua experiência, agora em apreciação pelos
americanos -certamente seria impossível se o inventor não tivesse
com um de seus professores um menino de 12 anos, andando a pé pelo
interior do Nordeste, com o sonho
de aprender.
PS - O caso de José Parente mostra os caminhos para se evitar a marginalidade, gerando inventores e
não criminosos -envolvimento familiar na vida dos filhos, culto ao
empreendedorismo e reverência ao
aprendizado. Nosso problema não é
de maioridade penal, mas a de menoridade dos adultos.
Fonte: Folha de São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007