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terça-feira, 24 de maio de 2011

Clariceando...

     Clarice Lispector é uma das escritoras mais incríveis que conheço. Digo o verbo no presente, pois acredito que ela continua a viver entre nós por meio de suas sábias palavras. Mas pude encontrar pessoas que me disseram que ela é louca. Descubro que louco poderia ser aquele que não entende aquilo que Clarice se propõe a dizer.
     A referida escritora nasceu em 1925, na Ucrânia (ex- URSS), e se mudou para o Brasil ainda criança, passando a infância em Recife e mudando-se para o Rio de Janeiro em 1937. Lá cursou Direito e conheceu também o seu marido, diplomata, e por conta deste casamento, residiu em diversos países.
     Clarice trabalhou na imprensa carioca, publicando crônicas no Jornal do Brasil e também romances; e são nestes que sua linguagem se manifesta com maior evidência. 
    Clarice trabalha o processo denominado "Fluxo de Consciência", herdado dos escritores americanos James Joice e Vigínia Wolf. Neste processo, é como se a personagem tivesse em sua mente, instalada uma câmera que capta os fatos ocorridos, deixando o pensamento solto. Isso porque o importante nos contos, crônicas e romances de Clarice, não são os fatos, na maioria dos casos sem uma ordem cronológica habitual, mas sim a repercussão destes fatos no interior dos personagens. São estes fatos que contribuem para a epifania clariceana.
     Epifania significa revelação. Neste processo, o personagem vê revelado uma realidade ainda mais profunda, advinda de um acontecimento simples e inesperado. Assim ocorre nas crônicas Macacos, na qual, a morte da macaca Lizete faz despertar na mãe o amor que esta têm por sua filha; Uma Amizade Sincera, em que dois amigos tentam muito acertar na amizade e, no entanto, descobrem o verdadeiro valor deste sentimento, quando se separam; e A Repartição dos Pães, na qual uma dona de casa parte de uma fato trivial, uma refeição em família, para refletir sobre o significado da partilha e o comportamento dos parentes quando reunidos, entre outros.
     Clarice também tem fascínio pelas personagens femininas. Seus textos são propositalmente pobres de fatos, o que leva muitos leitores iniciantes, assim como este que vos escreve foi um dia, ou talvez ainda o seja, a interpretações errôneas e julgamentos precipitados sobre sua escrita.
      Clarice está enquadrada na terceira geração do nosso Modernismo, também chamada de Pós-Moderna, e divide com Guimarães Rosa as características desta literatura denominada intimista.
      Enquanto este preocupa-se mais com o jagunço do interior do Brasil e a manutenção bem estruturada do enredo, àquela interessa o interior do personagem, suas angústias e a repercussão destas em sua consciência. Logo, o tempo do enredo é psicológico e não-linear, ou seja, a ordem dos fatos determina-se pela sequência dos mesmos no cérebro da personagem, não obedecendo uma ordem de início, meio e fim. O personagem vai e vem...
     Encerro com algo dito por Clarice, talvez por estar ciente já em sua época de produção, que algumas pessoas não a entendiam: "Suponho que me entender não é uma questão de inteligência, e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca ou não toca".  
       Acredito que ela tocou-me. E você, sentiu-se tocado por ela?

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