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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Bezerro sem mãe

Estou apaixonado pela simplicidade dos textos de Rachel de Queiróz. Ela não tem linguagem complexa, palavras eruditas, mas consegue captar os verdadeiros sentimentos provindos da simplicidade do sertão nordestino. O conto a seguir, marcado por um tom regionalista característico da escritora, nos fala sobre aquilo que Drummond já anunciara em seus poemas: "O amor foge aos regulamentos vários", e o que sobra no final, é apenas... amor, sem explicação que o sustente; apenas pelo simples fato de amar, não importando quem, etnia, religião ou gênero.
Observe também que a dor pode nos mover para a frente, mesmo quando imaginamos não haver saída para o nosso sofrimento.

                                                           
 Bezerro sem mãe
 
          Foi numa fazenda de gado, no tempo do ano em que as vacas dão cria. Cada vaca toda satisfeita com o seu bezerro. Mas dois deles andavam tristes de dar pena: uma vaca que tinha perdido o seu bezerro e um bezerro que ficou sem mãe.
       A vaquinha até parecia estar chorando, com os peitos cheios de leite, sem filho para mamar. E o bezerro sem mãe gemia, morrendo de fome e abandonado.
        Não adiantava juntar os dois, porque a vaca não aceitava. Ela sentia pelo cheiro que o bezerrinho órfão não era filho dela, e o empurrava para longe.
         Aí o vaqueiro se lembrou do couro do bezerro morto, que estava secado ao sol. Enrolou naquele couro o bezerrinho sem mãe e levou o bichinho disfarçado para junto da vaca sem filho.
         Ora, foi uma beleza! a vaca deu uma lambida no couro, sentiu o cheiro do filho e deixou que o outro mamasse à vontade. E por três dias foi aquela mascarada. Mas no quarto dia, a vaca, de repente, meteu o focinho no couro e puxou fora o disfarce. Lambeu o bezerrinho direto, como se dissesse: “Agora você já está adotado.”
          E ficaram os dois no maior amor, como filho e mãe de verdade.

Rachel de Queiróz
 

Um comentário:

Grato pela participação!